I know not
Costumava responder "não sei", às perguntas sobre o futuro. A questão não estava tanto no conteúdo da pergunta quanto na sua projecção no tempo.
Costumava responder "não sei", às perguntas sobre o futuro. A questão não estava tanto no conteúdo da pergunta quanto na sua projecção no tempo.
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A mulher tinha luz nos olhos. Ou se não era luz era qualquer coisa parecida. Dançava com as estrelas e fazia amor de madrugada. Contava histórias improváveis de vidas passadas. Tinha sido sereia num mar de encantos. As mãos tocavam por dentro da carne. O sangue inundava-nos de esperança desamparada. Havia uma fuga incerta na doçura dos seus beijos. Uma promessa suave de paraíso perdido. Foi lá que nos conhecemos antes de nos encontrarmos. Os corpos escondem a alma que os dedos desnudam. Lentamente. Na estranha dimensão do encanto. Há um abrigo onde aprendemos a ressuscitar. As palavras não alcançam mas o silêncio sabe. E diz.
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uma história de amor. Uma história qualquer. Que tivesse o encanto dos teus olhos. A luminosidade dos teus sonhos. Queria conhecer as palavras certas. Inventar um código qualquer onde nos reconhecessemos. Queria uma luz qualquer que me iluminasse os passos. Há crianças perdidas que esperam pela nossa voz. Somos já nelas o que nunca mais seremos. Se eu fosse poeta dava a volta ao texto. Deixaria de procurar o fim da linha. E os meus versos haveriam de conter as tuas mãos. As minhas palavras confundir-se-iam com as tuas. E o sorriso seria já quase um abraço.
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Deste lado do espelho pouca coisa há. Mas alguma coisa se há-de arranjar, por pouco que seja. Um sorriso, um afago, uma luz qualquer, talvez difusa. Deste lado do espelho as flores dançam e o mar agita-se, levemente. Deste lado do espelho há um abrigo, um caminho novo por trilhar, uma vida inteira para inventar. Deste lado do espelho há uma verdade que não magoa, antes ilumina, como a mão traquila que conduz uma criança ao outro lado da vida. Deste lado do espelho há a bonomia dos dias perdidos e a nostalgia das noites por haver. Há um espanto original ante a diversidade das coisas e do que nelas e por elas se pensa, se vive, se sente, se imagina, apenas. Deste lado do espelho há uma travessia renovada, um corpo agitado à procura do silêncio primordial que apazigua o seu inexorável desassossego. Deste lado do espelho há uma espiral de cores e de sons, de palavras e de traços incertos, artisticamente redimidos na firmeza do instante. Deste lado do espelho fica aquilo que tu procuras, mas não sabes definir. O palpitar doce e suave do coração, a claridade licorosa dos olhos e a abertura amigável que o sorriso rasga, renova e oferece. Deste lado do espelho há crianças que brincam nos jardins da imaginação, mulheres que aprenderam a doar e homens que se arrependem da irracionalidade intempestiva dos seus medos. Deste lado do espelho há uma brisa que te acaricia a face como um beijo improvável numa noite fria. Uma lua que se derrama num céu de estrelas e a paleta ainda intacta do pintor desconhecido. Deste lado do espelho há um sonho ancestral que ficou por cumprir. Uma mão aberta à ternura que passa e se demora e aprende a ficar. Deste lado do espelho está aquilo que somos e nos ajudaram a esquecer em falsos trejeitos de memória. Deste lado do espelho há fragilidades de infância que desabrocham em peitos desencantados. Deste lado do espelho há um caminho, um sonho, uma vida. E a certeza do tempo reencontrado.
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Enquanto
um calor mole nos tira a roupa
e mesmo nus sobre a cama
os corpos continuam a pedir água
em vez doutro corpo,
penso no tempo em que o suor
e a saliva e o odor e o esperma
faziam dessa agonia
a alegria
a que chamávamos amor.
Eugénio de Andrade
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Tendemos a imaginar o amor como algo que existe independentemente de nós. Como algo que nos acontece de fora para dentro e não de dentro para fora. Mas só o amor que temos dentro de nós se pode exteriorizar e só aquilo que já temos podemos encontrar. Amar não é tanto desejar ser amado – o que pode conduzir, se é que não conduz sempre, a uma forma perversa de amor – quanto desejar amar. Só podemos receber aquilo que temos e só temos o que damos. A solidão não é apenas efeito do desamor, é também condição do amor. Só o amor que alimentamos dentro de nós, a sós connosco próprios, se pode exteriorizar e tocar o outro. Cupido existe fora de nós, ou assim o imaginamos, mas como todos os deuses Cupido não tem existência real fora do espaço simbólico dentro do qual adquire significado. Todos estamos expostos às suas setas do amor, mas depende de nós prolongar o efeito da sua droga. Os templos que construímos fora de nós e onde objectivamos o nosso coração são apenas pó e coisa nenhuma que o tempo reduzirá a nada. Mas o templo que construímos no coração, tem a dimensão do nosso ser e do nosso amor, e mesmo que acabe onde nós acabamos, a luz que dele irradia é provavelmente a nossa única oportunidade de tocar o Eterno.
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Nascer de novo. Todos precisamos nascer de novo. Todos os dias. Constantemente. Dormir é como morrer. Acordar é como nascer. O amor talvez nem outra coisa seja. Por isso precisamos dele, por isso o procuramos. O desejo de nascer de novo. Se não nascerdes de novo de forma nenhuma entrareis no Reino, disse Jesus ao sábio Nicodemos, e talvez Jesus quisesse dizer que sem nascer de novo não saímos do Inferno. Pior ainda, nem nos apercebemos que estamos no Inferno, e embriagados por essa ignorância tornamo-nos o nosso próprio inferno. Necessário nos é nascer de novo. Nem para outra coisa fazemos amor, senão para morrer, senão para nascer. Viver e morrer são a mesma coisa quando se nasce, quando se sabe, quando se ganha mesmo que se perca, quando se ama. Hoje é o primeiro dia. Este é o primeiro beijo. Esta é a primeira vez.
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