Memória de um Filho da Puta

Gostava mais quando me batias e ainda tinhas coragem para olhar para mim. Olhos fixos, chispas, ódio. Por esses tempos julgo que ainda me sentia viva, apesar de tudo. Se me vias... procurei acreditar que não. Com o tempo também eu deixei de te ver e entreguei a minha alma ao caos, certa de que em breve a morte me libertaria. Esteve calor nesse Verão. Lembro-me de olhar as coisas como se tudo me fosse exterior, espécie de miragem que nem quis compreender. E do frio absurdo que me invadiu e que ainda hoje, por vezes, me visita.
Tenho uma nova casa agora, bem diferente daquela que um dia tivemos. E perdoou-te tudo, excepto a tua memória no meu presente que, embora raramente, teima em me lembrar.

De roxo a azul

No dia em que deixaste de me amar soube-o logo porque os teus olhos passaram instantaneamente de roxos a azuis, e o teu sorriso tornou-se um tronco seco, e a noite caiu como um pesado véu de veludo preto sobre a minha vida.

E as doninhas, meu amor, nunca mais voltaram a visitar o nosso quintal.

Casamento

O fim do Amor.

Agora

Quando é que me apetece fazer amor contigo, ou melhor, porque é que me apetece fazer amor contigo? Que pergunta tonta, dirás, como esta minha ânsia de tudo explicar, mesmo o que não é explicável.

Tenho andado a guardar todos os rascunhos daquilo que já escrevemos, mesmo o que então – ou agora – não nos faz qualquer sentido.
Guardo tudo numa caixa de sapatos velha, que forrei com papel de cor e flores secas do nosso quintal.

Ontem, quando fui ao supermercado, uma senhora já velha olhou-me a abordou-me de uma forma bizarra. A menina está muito apaixonada, não é verdade, perguntou-me ela.
Sem saber o que dizer ou pensar corei e sorri-lhe um sim sussurrado.
Passei o resto da tarde a pensar na minha sorte.

Quando tenho frio procuro invariavelmente o teu abraço, como se nenhum outro corpo pudesse mitigar este meu não sei bem o quê, que se parece com doença ou desespero ou com outra forma de te ter também.

Agora dou por mim a acreditar que nunca fui tão feliz e a inventar para nós todos os destinos possíveis.

Um dia rir-me-ei disto, tenho a certeza. Ou então chorarei.