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No dia em que decidiste cortar os pulsos eu ia de viagem e o céu estava azul.

Quando me despedi e te beijei senti-te estranho; mas há sempre tantas estranhezas entre nós...

Suponho que sempre gostaste de sensações-limite, e da cor vermelha, e de um certo sofrimento a intensificar a relação.

Em tempos, esse teu estar fez-me sentido. Mais tarde provocou-me tristeza. Agora, apenas te acho doente.

Sabes, o amor não é isso, nunca foi isso, nós é que estávamos confundidos.


Sabes?

Sabes?
Baralhas-me.
Se nos teus olhos não vejo os meus olhos.
Se as tuas mãos se tornam de repente oblíquas ao invés de quadradas.
Se o mar, que foi sempre vermelho, é agora azul.
Sabes?
Nem sempre entendo a geometria da nossa relação.
Se eu penso em pássaros e tu me falas de Kant.
Se me reservas sorrisos enigmáticos e poucas palavras.
Se decides, sem eu saber, que a partir de amanhã só comes pastilhas gorila.
Sabes?
Queria rir hoje como sei que vamos rir amanhã, estatelar-me na relva e voar contigo até ao centro da terra, os cabelos ao vento, o medo a gritar-nos aos ouvidos, uma súbita e inesperada estalada de cores.
Sabes?
Não?
Gostava que soubesses.

Humming - Portishead

O meu amor não sabe dar uma rapidinha



Tínhamos os dois pressa naquela manhã. Eu já tinha tomado banho e estava vestida, quando entrei no quarto para ir buscar qualquer coisa, não me lembro o quê. Tu estavas a vestir-te. Não sei porque nos olhámos nos olhos, nem porque tudo ficou subitamente quente e doce. A brincar, disse-te: se quiseres, damos uma rapidinha. Tu sorriste. Na cena a seguir, não sei com que velocidade, estávamos os dois despidos, pernas, mãos, braços e bocas numa confusão. Rimos e eu disse: bom, sempre contribuímos para a manutenção do tempo médio das quecas portuguesas! Meia hora depois a campainha tocou, mas nós ainda não tínhamos sequer começado.